sábado, 14 de julho de 2012

Abandono de valores


Eu e meu marido realizamos um sonho ao casar e mudar para o litoral de Santa Catarina. Praia, sol, mar, amor, pessoas simples, contato com a natureza; esse é o sonho de oito em cada dez pessoas que conheço. Compramos uma casa em um pequeno condomínio há dois anos e tudo parecia perfeito: bairro tranquilo, vizinhos sorridentes e sossegados.  Já tínhamos uma gata, que havíamos adotado em 2009 e acabamos nos mudamos antes do previsto, no início do ano passado, por adotarmos um novo membro da família que não seria aceito no apartamento onde morávamos  - um vira lata de pequeno porte, abandonado  em frente à nossa antiga moradia, o qual chamamos de Hachi.

Pois bem. Mudamos: eu, meu marido, a gata e o cão. No primeiro dia, uma das vizinhas veio me contar que abandonou sua gata antes da mudança. “Não queria incomodar os vizinhos”, disse ela. Respirei fundo e tentei não prestar atenção no sorriso triste do marido desta senhora, que em outros momentos confessou a falta que sentia da gata que sua mulher o “obrigou a deixar na casa antiga”.

Nestes dois anos, a gata da vizinha não voltou, mas outros quatro cachorrinhos (além de outros dois que já arrumamos lares) passaram a fazer parte de nossa família. Não os buscamos; eles nos encontraram. Todos chegaram até nós em condições de risco (doentes, mal tratados, atropelados ou vítimas de violência). E então os vizinhos, com exceção do “senhor da gata”, já não tinham mais aquela simpatia, nem os mesmos sorrisos estampados no rosto.

Agora, você deve estar pensando: “Essa maluca acha que os vizinhos têm que aturar latidos de cinco cães?”. Não, amigos. Todos eles permanecem dentro de casa. E quando digo dentro de casa, não é dentro de meu terreno, minha área privativa. É dentro de casa mesmo.  Nas poucas vezes que permanecem fora de casa, afinal eles não são presidiários, basta um latido, uma brincadeira entre os cães para despertar a fúria de meus vizinhos. Xingamentos (para os cães, já que os sorrisos falsos permanecem para a minha pessoa), tentativa de envenenamento, entre outros. Lógico que os cães das outras vizinhas não atrapalham; são cães de raça e os meus são meros vira latas, sem direito a latidos. Tudo bem.

Resumindo, eu e meu marido decidimos colocar nossa casa à venda e buscar um lugar mais afastado da cidade; quem sabe um sítio... algo que nos deixe mais distanciados de outros vizinhos mal humorados. Hoje pela manhã, em uma de nossas buscas pelo lugar ideal, meu marido parou o carro – vimos um saco plástico escuro e, adivinha o que havia lá dentro? Sim, um cão. Um pequeno filhote muito fofo, todo branquinho, gordinho e com uma manchinha ao redor de um dos olhos. O que é que íamos fazer? Deixá-lo ali? Nem pensar. Havia uma casa logo à frente... Quem sabe? Por sorte, encontramos uma senhora de coração bondoso, que o pegou no colo e já estava pensando, ao lado de seus filhos gêmeos e outros cinco cães, em um nome para aquele ser de luz que foi abandonado. Estou muito feliz por ter presenciado a reação daquela senhora. Que sorte nós e aquele cachorrinho demos!

No entanto, assim que saímos de lá, passei a refletir sobre o outro lado – o lado obscuro – daquela situação. Quem é que vai até o interior de uma cidade e abandona um filhote dentro de um saco plástico? Que tipo de “ser humano” tem a capacidade de ser tão irracional? E aí, me peguei levantando outras questões: o ponto crucial hoje, em nossa sociedade, não é somente o abandono de cães, filhotes ou não, ou o abandono e maus tratos de outros seres humanos ou animais. A questão é o abandono de valores que se reproduz incontrolavelmente em nossa sociedade. Tudo em nossa sociedade se tornou descartável: desde utensílios domésticos até o casamento, amigos, eletrodomésticos e, claro, os animais. Se estiverem nos servindo, ok. Caso contrário, a ordem é livrar-se. Não importa como, quando ou onde. É essa a nossa cultura atual.

Basta reclamar? Não. A ordem é agir. Reconsidere suas prioridades, passe a refletir sobre aquilo que é realmente importante em sua vida. Você perceberá que o que deve ser descartado são seus preconceitos, seu egoísmo e suas ideias pré-concebidas. Recicle sua mente e passe esta ideia adiante! 

Um comentário:

  1. Luciana, você foi ao ponto: é essa "coisificação" da vida, já tratada por inúmeros estudiosos. Com o tamanho consumismo em que é estimulado o descarte para que se obtenha "a última novidade", as pessoas estão desprezando os valores mais importantes - e dentre estes o maior de todos, a vida.

    Boa sorte em sua nova morada. Se ao menos os vizinhos cultivassem a virtude da tolerância...

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