Eu e meu marido realizamos
um sonho ao casar e mudar para o litoral de Santa Catarina. Praia, sol, mar,
amor, pessoas simples, contato com a natureza; esse é o sonho de oito em cada
dez pessoas que conheço. Compramos uma casa em um pequeno condomínio há dois
anos e tudo parecia perfeito: bairro tranquilo, vizinhos sorridentes e
sossegados. Já tínhamos uma gata, que
havíamos adotado em 2009 e acabamos nos mudamos antes do previsto, no início do
ano passado, por adotarmos um novo membro da família que não seria aceito no
apartamento onde morávamos - um vira
lata de pequeno porte, abandonado em
frente à nossa antiga moradia, o qual chamamos de Hachi.
Pois bem. Mudamos: eu, meu marido,
a gata e o cão. No primeiro dia, uma das vizinhas veio me contar que abandonou
sua gata antes da mudança. “Não queria incomodar os vizinhos”, disse ela.
Respirei fundo e tentei não prestar atenção no sorriso triste do marido desta
senhora, que em outros momentos confessou a falta que sentia da gata que sua
mulher o “obrigou a deixar na casa antiga”.
Nestes dois anos, a gata da
vizinha não voltou, mas outros quatro cachorrinhos (além de outros dois que já
arrumamos lares) passaram a fazer parte de nossa família. Não os buscamos; eles
nos encontraram. Todos chegaram até nós em condições de risco (doentes, mal
tratados, atropelados ou vítimas de violência). E então os vizinhos, com
exceção do “senhor da gata”, já não tinham mais aquela simpatia, nem os mesmos
sorrisos estampados no rosto.
Agora, você deve estar
pensando: “Essa maluca acha que os vizinhos têm que aturar latidos de cinco
cães?”. Não, amigos. Todos eles permanecem dentro de casa. E quando digo dentro
de casa, não é dentro de meu terreno, minha área privativa. É dentro de casa mesmo. Nas poucas vezes que permanecem fora de casa,
afinal eles não são presidiários, basta um latido, uma brincadeira entre os
cães para despertar a fúria de meus vizinhos. Xingamentos (para os cães, já que
os sorrisos falsos permanecem para a minha pessoa), tentativa de envenenamento,
entre outros. Lógico que os cães das outras vizinhas não atrapalham; são cães
de raça e os meus são meros vira latas, sem direito a latidos. Tudo bem.
Resumindo, eu e meu marido
decidimos colocar nossa casa à venda e buscar um lugar mais afastado da cidade;
quem sabe um sítio... algo que nos deixe mais distanciados de outros vizinhos
mal humorados. Hoje pela manhã, em uma de nossas buscas pelo lugar ideal, meu
marido parou o carro – vimos um saco plástico escuro e, adivinha o que havia lá
dentro? Sim, um cão. Um pequeno filhote muito fofo, todo branquinho, gordinho e
com uma manchinha ao redor de um dos olhos. O que é que íamos fazer? Deixá-lo
ali? Nem pensar. Havia uma casa logo à frente... Quem sabe? Por sorte,
encontramos uma senhora de coração bondoso, que o pegou no colo e já estava
pensando, ao lado de seus filhos gêmeos e outros cinco cães, em um nome para
aquele ser de luz que foi abandonado. Estou muito feliz por ter presenciado a
reação daquela senhora. Que sorte nós e aquele cachorrinho demos!
No entanto, assim que saímos
de lá, passei a refletir sobre o outro lado – o lado obscuro – daquela
situação. Quem é que vai até o interior de uma cidade e abandona um filhote
dentro de um saco plástico? Que tipo de “ser humano” tem a capacidade de ser
tão irracional? E aí, me peguei levantando outras questões: o ponto crucial
hoje, em nossa sociedade, não é somente o abandono de cães, filhotes ou não, ou
o abandono e maus tratos de outros seres humanos ou animais. A questão é o abandono
de valores que se reproduz incontrolavelmente em nossa sociedade. Tudo em nossa
sociedade se tornou descartável: desde utensílios domésticos até o casamento,
amigos, eletrodomésticos e, claro, os animais. Se estiverem nos servindo, ok.
Caso contrário, a ordem é livrar-se. Não importa como, quando ou onde. É essa a
nossa cultura atual.
Basta reclamar? Não. A ordem
é agir. Reconsidere suas prioridades, passe a refletir sobre aquilo que é
realmente importante em sua vida. Você perceberá que o que deve ser descartado
são seus preconceitos, seu egoísmo e suas ideias pré-concebidas. Recicle sua mente e passe
esta ideia adiante!
Luciana, você foi ao ponto: é essa "coisificação" da vida, já tratada por inúmeros estudiosos. Com o tamanho consumismo em que é estimulado o descarte para que se obtenha "a última novidade", as pessoas estão desprezando os valores mais importantes - e dentre estes o maior de todos, a vida.
ResponderExcluirBoa sorte em sua nova morada. Se ao menos os vizinhos cultivassem a virtude da tolerância...